Ítalo Fábio Casciola Publisher do OBemdito

Italo: A eterna espera pela ‘Maria Fumaça’ que nunca chegou a Umuarama

A ferrovia alavancou o desenvolvimento de Maringá e Cianorte; mas Umuarama ficou de fora do projeto

A Locomotiva 608 aportou em Maringá para inaugurar a Estação Ferroviária no dia 31 de janeiro de 1954. E na ocasião foi confirmada que a ferrovia seguiria em frente, passando por Cianorte, Umuarama até Guaíra... Hoje a famosa "Maria Fumaça" é ‘monumento histórico’ e atração turística no belo Parque do Ingá, na Cidade Canção.
Italo: A eterna espera pela ‘Maria Fumaça’ que nunca chegou a Umuarama
Ítalo Fábio Casciola - OBemdito
Publicado em 9 de outubro de 2022 às 11h46 - Modificado em 21 de maio de 2025 às 21h54

Esta é uma história tão antiga, mas tão remota, que já atravessou várias gerações e, por incrível que possa parecer, ainda continua tão evidente que se cristalizou como eterna. Basta observar que ela remonta ao início do século passado, desde os tempos do célebre Barão de Mauá e está prestes a se tornar centenária…

Lá pelo longíquo ano de 1922 começou a construção da Estrada de Ferro Noroeste do Paraná, que atravessaria os estados de São Paulo e Paraná, ligando o Brasil ao vizinho Paraguai. Uma obra faraônica em qualquer época da história universal, especialmente quando se trata da América do Sul, que naquele período experimentava uma fase pré-desenvolvimentista, seja no aspecto econômico, social e industrial, cá deste lado do globo terrestre.

Se neste início de novo milênio o cone sul começa a disputar um lugar no clube das superpotências mundiais, tentando livrar-se do antigo rótulo de Terceiro Mundo, imaginem como era a situação lá pelas primeiras décadas do século 20.

Parte 1: O trem que nunca chegou a Umuarama e o calote do século

Sendo assim, construir uma ferrovia de tal magnitude, com quase 3 mil quilômetros de extensão, era realmente algo que beirava a utopia. Tanto é que o primeiro projeto, proposto anos antes no Congresso Nacional, fora solenemente rejeitado.

Mas, depois de tantos conchavos por parte de correntes políticas e investidores da época, a estrada de ferro saiu do papel e começou a ser construída, graças à justificativa de que garantiria facilidades e barateamento do transporte de café e cereais, cujas safras seriam exportadas através do Porto de Santos, no litoral paulista.

Para que o ato de recontar esta saga também não dure um século, vamos economizar detalhes com relação à construção dessa estrada de ferro nas terras de São Paulo. E focar com toda atenção o capítulo referente à sua chegada ao nosso estado: em 1953, as obras da Estrada de Ferro Noroeste do Paraná atingiram o município de Maringá; e, em janeiro de 1954, a “Cidade Canção” festejou a chegada histórica da “Maria Fumaça” em sua primeira viagem ao Noroeste.

O fato aconteceu um ano antes da fundação de Umuarama. E, em 1973, foi a vez da vizinha Cianorte receber o trem.

Aqui em Umuarama, onde a colonizadora Companhia Melhoramentos Norte do Paraná havia loteado milhares de lotes de terras urbanos e rurais, a chegada da “Maria Fumaça” também era esperada com infinita aflição desde que fora anunciada a abertura de uma nova fronteira agrícola e atraído milhares de colonos que tinham essa via de transporte como garantida, o que baratearia o custo dos fretes das colheitas que esperavam ter com as lavouras.

Ninguém pode negar que o resto do Norte do Paraná foi aberto graças à ferrovia, que chegou primeiro a Ourinhos, depois Londrina e a seguir em Maringá. Foi o trem que motivou o sucesso desse grandioso projeto de colonização e não o contrário.

Seria impossível nem sequer imaginar que, naquele tempo, alguém ousaria abrir grandes áreas de terras como essas no Paraná dependendo apenas das primitivas estradas de chão batido, frágeis às chuvas e à erosão, além de constituir-se num indiscutível meio caríssimo de escoamento das safras.

A exemplo dos estados de São Paulo e Minas Gerais, as colonizadoras paranaenses também seguiram o exemplo: sem trem, o fracasso desses empreendimentos seria eminente.

“Maria Fumaça”, como era chamada carinhosamente a locomotiva que puxava as dezenas de vagões de carga e passageiros até Maringá

Umuarama estava preparada para receber a ferrovia

Porém, até Cianorte as previsões de executar o projeto da Estrada de Ferro Noroeste do Paraná se concretizaram. E o resto do trajeto, de Cianorte a Guaíra passando por Umuarama??? A partir daí começou o dramalhão vivido até hoje: em 1975 foi confirmada a obra da ligação, numa primeira etapa, entre Cianorte a Umuarama, numa extensão de 80 quilômetros.

Mas, ainda naquele ano, tudo desandou e a obra foi cancelada e o projeto engavetado… Umuarama estava preparada para receber a ferrovia: a CMNP havia reservado uma extensa área no centro do perímetro urbano, onde seriam construídos a estação de passageiros, o terminal para carga e descarga, bem como oficinas de manutenção de máquinas e posto de abastecimento (água e diesel) das locomotivas. Esses detalhes só contarei na edição do próximo domingo…

Volto a me reportar ao projeto original da ferrovia: de nada adiantaram os protestos de agricultores, indústrias do setor cafeeiro, madeireiro e exportadores e tampouco as reivindicações das autoridades paranaenses para a retomada da construção.

O assunto foi definitivamente sepultado e centenas de municípios, que dependiam de trens, caíram num abismo de frustração do qual nunca mais saíram… O Noroeste perdeu a tão sonhada ferrovia. Para complicar ainda mais o cenário, na época o Brasil entrou na era das rodovias – vale citar como exemplo a Transamazônica, até hoje inacabada que liga nada a lugar nenhum.

Virou uma loucura… Verbas astronômicas passaram a ser destinadas a milhares de quilômetros de asfalto por todos os lados do País, enquanto que as ferrovias foram relegadas a um décimo plano, tornando-as antieconômicas e deficitárias, chegando hoje ao degradante estado de sucateamento.

Privilegiando as estradas asfaltadas, os governos fomentaram o crescimento da indústria automobilística, mesmo cientes das constantes altas nos preços dos combustíveis derivados do petróleo. Diante dessas decisões palacianas, Umuarama e os arredores desta vasta região ficaram a “ver trens”…

E a depender das estradas federais e estaduais, que durante períodos seguidos viveram mal conservadas, aumentando os custos das empresas de transportes. Custos estes repassados aos consumidores embutidos nos preços dos produtos que consomem. E o cenário fica ainda mais dramático com o cada vez mais crescente inchaço na frota de carros de passeio e veículos pesados transformando essas vias em “Estradas da Morte”…

É uma sequência de referências negativas que nos faz meditar sobre o preço que se paga pelo progresso que usufruímos nos dias de hoje. Devemos reconhecer que a colonização de Umuarama, assim como em outros aspectos, é sui generis e atravessou os tempos vivendo um papel invertido em relação a outras regiões do País e do mundo.

Em outros países, como os Estados Unidos, primeiro se faziam estradas de ferro e depois chegava a colonização. Essas obras abriam grandes frentes de trabalho e geravam o sustento para milhares de trabalhadores. Em outras regiões do Brasil, idem: no estado de São Paulo, as principais cidades e os centros agrícolas e industriais surgiram depois que as estradas de ferro ficaram prontas.

Estudos em toda parte comprovam que estender trilhos sobre dormentes é muito mais rápido e barato do que asfaltar longas rodovias. Além do mais, uma composição de trem completa, desde que seja bem conservada, dura décadas e, atualmente, com a energia elétrica (que em meados do século passado não existia por aqui) faz desse meio um dos mais econômicos já inventados até hoje.

Sem contar que uma locomotiva com dezenas de vagões carregados tem capacidade para cargas muito maiores que uma frota de carretas e sem riscos de acidentes (são raríssimos). Domingo que vem a gente se encontra para conversar sobre os preparativos que Umuarama havia feito, na década de 70, para esperar a chagada da Estrada de Ferro Noroeste do Paraná.

E ainda mostrarei como todo o trajeto entre Umuarama e Guaíra estava pronto para a obra continuar, cumprindo o cronograma que ditava aquele antigo projeto do governo federal para levar a ferrovia até Guaíra e depois a Assunção, capital paraguaia. Bom domingo e tenham bons sonhos imaginando que estão numa viagem fascinante a bordo de uma gigantesca “Maria Fumaça”…

*** Na próxima edição mostraremos imagens exclusivas dos bairros da Capital da Amizade por onde passaria o trem. Essas áreas depois foram loteadas, confirmando que o trem nunca chegaria aqui…

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Italo Fábio Casciola é um dos mais experientes jornalistas do Paraná, tem seu próprio portal de notícias, o Coluna Italo, e escreve para OBemdito.

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