
Indígenas que vendem artesanato na cidade vêm da região centro-sul do Paraná
Eles moram em aldeias da reserva Rio das Cobras, a cerca de 300 quilômetros de Umuarama; e se dedicam ao artesanato como principal fonte de renda


De uns anos para cá, tem sido comum ver nas ruas centrais de Umuarama indígenas vendendo artesanato, que chama a atenção pelo colorido vibrante das peças. São balaios, cestos, chocalhos, filtros de sonho e outros, que seguem uma só linguagem: a de expressar a identidade cultural de sua etnia, de seus ancestrais.
Aqui, e em muitas outras cidades do Paraná e de estados vizinhos, eles ‘caminham’ com um único objetivo: conseguir o pão de cada dia. São pessoas pobres, que transformam natureza em um produto comercial; pessoas que, apesar de muitas vezes desprezadas ou ignoradas por muitos de nós, fazem, com dignidade, um trabalho que carrega uma simbologia respeitável.
Esses indígenas, que chegam em grupos [com os filhos, inclusive], vêm da maior reserva do Paraná: a Terra Indígena Rio das Cobras, situada no centro-sul do Estado, nos municípios de Nova Laranjeiras e Espigão Alto do Iguaçu [entre Cascavel e Guarapuava]. O território de 19 mil hectares, o primeiro demarcado da região Sul do Brasil, reúne aldeias das etnias Kaingang e Guarani.
Para ver como vivem, OBemdito visitou a reserva, que tem uma história marcada por muita luta [tema da próxima reportagem]. Lá, fomos recebidos com muita simpatia e alegria. São oito aldeias; visitamos as principais: a Lebre, dos Guarani; e a sede, onde vivem famílias Kaingang.
Pela tranquilidade que aparenta, a região central delas lembra uma vila, mas contemplada com recursos modernos: luz elétrica, água tratada [de poço artesiano], antena parabólica e internet. As casas são simples e pequenas [a maioria]: umas de madeira, outras de tijolos, todas construídas pelo Governo.

A agricultura é a principal fonte de renda das famílias [até porque viver da caça e da pesca já não é mais possível e sabemos por que]: plantam em pequena escala principalmente feijão, milho, batata doce e mandioca.
Na aldeia Lebre fomos recepcionados pelo cacique Ananias Jexaka Veríssimo, 34 anos, que é professor. Ele leciona na escola estadual da comunidade, que reúne cerca de 70 alunos [do ensino infantil ao médio]. E conta que muitas das diretrizes de ensino adotadas seguem linha pedagógica que respeita a vivência sociocultural dos povos indígenas.
Sempre sorridente, mas com uma consciência crítica aguçada, ele diz que o serviço que presta enquanto cacique é voluntário. “Os tempos mudaram: temos carro, celular, casas cobertas com telhas, mas ainda falta muito para dizermos que temos uma vida decente; a maioria de nós é carente e temos que ser solidários”.

Dança e casa de reza
Preservar as heranças culturais é luta diária, segundo o cacique. A principal é a língua. Tanto que os alunos na escola aprendem as lições em duas: a portuguesa e a nativa. Entre eles, o tempo todo, também se comunicam em guarani.
E é no meio escolar, também, que encontram motivação para exercitar a dança, a música e outras expressões artísticas e de costumes. “São saberes tradicionais que, quando respeitados e lembrados, fortalecem nossas esperanças de poder deixar para as futuras gerações o que aprendemos com nossos antepassados”, arremata o cacique.
Da escola fomos ao pavilhão de festas, onde um grupo de jovens fez apresentação de canto e de um ritual de ‘preparação para a guerra’. Em seguida, conhecemos a casa de reza, um ambiente fechado, sem janelas e com chão de terra batida. Nela, se reúnem para as cerimônias religiosas.


Igreja e universidade
A aldeia-sede, onde vivem famílias Kaingang, centraliza a administração de todas que fazem parte da Terra Indígena Rio das Cobras. Lá, todos falam, entre eles, em kaingang [língua indígena em situação ameaçada, segundo a Unesco].
Liderada pelo cacique Angelo Kavigtanh Rufino, 42 anos, a ‘vila’ conta com UPA (Unidade Básica de Saúde), ginásio de esportes, igreja [católica] e duas belas escolas; uma delas acolhe extensão da Universidade Estadual do Centro-Oeste.
Sim, a Unicentro abriu uma unidade dentro da aldeia, onde oferece o curso especial de ‘Pedagogia para Povos Indígenas’ [no ano passado formou 22 pedagogos]. “Esta extensão, com currículo diferenciado, foi uma grande conquista; lutamos muito para isso! Já temos vários professores indígenas, mas queremos mais”, exclama Kavigtanh.
No rol das benfeitorias, ele, o campo de futebol, está presente em todas as aldeias. Os indígenas são imbatíveis no esporte e, quando participam de campeonatos nas cidades da redondeza, abocanham quase todos os troféus. Em tempo: as escolas são muito bem cuidadas. As da aldeia-sede têm até aparelho de ar condicionado nas salas de aula.

Agroindústria
Embarcar no mundo do empreendedorismo agroecológico é um sonho que embala os ideais também dos indígenas. A concretização de um projeto traçado em 2013, e bancado por uma Ong italiana [e mais dez entidades parceiras], é a novidade na aldeia Lebre.
Trata-se de uma fábrica de geleias, que entrou em funcionamento em 2021, com capacidade para produzir dois mil quilos/ano. Por enquanto, produz 200 quilos. “Queremos dobrar este número já no próximo ano”, avisa o coordenador do negócio, Reinaldo Karai Fernandes, 31 anos.
Ele nos leva para conhecer o interior da fábrica, muito bem aparelhada. Nela, produzem as geleias de abóbora, abacaxi, laranja, goiaba, amora e outras com gostinho mais exótico, como a de gabiroba e a de tarumã [também chamada azeitona do mato, porém de sabor adocicado] com banana.
Tudo é vendido em feiras agroecológicas Paraná afora. “Mais adiante, quando intensificarmos a produção, iremos fornecer para a merenda escolar”, informa Karai, salientando que recebem monitoria da Universidade Federal da Fronteira Sul – Câmpus de Laranjeiras do Sul.

Artesanato na rodovia
A chegada à Terra Indígena Rio das Cobras se dá pela BR 277, que corta o Paraná de Leste a Oeste. E é também às margens dessa rodovia que os artesãos se instalam, em barracas de lona plástica, para comercializar o artesanato que produzem [igual ao que vendem nas ruas de Umuarama].
A maioria é mulher da etnia Kaingang. Ali, sentadas no chão, passam o dia trabalhando [o local é também, digamos, a fábrica delas]. Já o tingimento da principal matéria-prima que utilizam – tiras de taquaruçu – é feito em casa, com anilina.
Os varais com as peças coloridas, com preços que variam de R$ 10 a R$ 70, são vistos de longe. Enquanto aguardam compradores, tecem com uma habilidade admirável.


Helena Eneiga Rosário, 54 anos, é uma delas. Como todas, aprendeu com os pais: “Eu tinha oito anos quando aprendi”, diz, com timidez e concentrada nas tranças de um cesto. Ela poucas vezes levantou a cabeça para responder nossas perguntas, mas foi amável: “Ganho uns 600 reais por mês; o que mais vendo é chocalho”, informou.
Outra que empreende no artesanato é Valdivina de Souza, 75 anos. Orgulha-se de ter aprendido com a mãe. Também conversa sem parar de trançar. “Gosto do que faço e não me canso”, comenta, ao responder que a idade não a impede de continuar trabalhando.
Seu varal tem um produto que se destaca: chapéu feito com as tiras de taquaruçu, no tom ‘nude’, seguindo modelo com ar autêntico, de beleza indiscutível. “Mas vende pouco”, lamenta.















