
Juíza de Umuarama traz olhar mais positivo sobre a entrega voluntária de crianças para adoção
Para a Dra. Maristela D'Aviz, o tema precisa de mais acolhimento e menos "dedos apontados"


Neste 25 de maio é celebrado o Dia Nacional da Adoção, que foi comemorado pela primeira vez em 1996 e desde 2002 compõe o calendário oficial do Brasil. Em respeito à data, OBemdito conversou com a dra. Maristela Aparecida Siqueira D’Aviz, juíza de Direito substituta e atual responsável pela Vara da Infância e Juventude da Comarca de Umuarama, que trouxe um olhar mais positivo para o outro lado da moeda: o processo de entrega voluntária de crianças para adoção.
Também conhecida como entrega por amor ou até mesmo parto anônimo, a entrega voluntária para adoção ainda é um assunto carregado com muito tabu e preconceito pela sociedade em geral, conforme explicou a juíza ao OBemdito. Porém, e quebra de preconceitos sobre o processo pode ajudar as pessoas a entenderem que a opção pela maternidade é um direito que, assim como todos os outros, deve ser respeitado.
“Todo muito vê com muitos bons olhos a adoção, mas aquela mãe que fala ‘Eu não posso ser mãe agora’, seja por uma dependência química, situação de rua, ou as vezes foi um relacionamento ocasional, quando a mulher sai uma noite e tem um relacionamento e nem sabe quem é o pai ela acaba sendo julgada (…), então a sociedade ainda tem um certo preconceito para quem não quer exercer a maternidade”, afirmou D’Aviz.

Evitando abortos e adoções irregulares
Para Maristela, entender a realidade da mãe que decide pela doação da criança é totalmente diferente do que muitos apontariam como “apoiar que mais crianças sejam colocadas no mundo” sem pensar nas consequências destas novas vidas. Tampouco a proposta é incentivar a entrega da criança quando não há necessidade ou desejo da mulher.
“Nós estamos fazendo um movimento de levar a informação. E para essa mãe que entende e refletiu que ela não pode exercer a maternidade naquele momento daquela criança que ela está esperando, nós temos que dar um apoio”.
Segundo a jurista, um dos maiores desafios daqueles que lutam pelos direitos das crianças e dos adolescentes e também pelos direitos das mulheres é relativo ao aborto, que por acontecer de forma ilegal no Brasil – em clínicas clandestinas e com uso de medicação sem controle médico e farmacêutico – pode colocar em risco à vida inclusive da gestante.
“Alguns lutam à favor do aborto. Nós lutamos pelo direito à vida”, pontuou a juíza. “Desde a concepção nós estamos lutando pela vida deste bebê. Então quando nós fazemos esse projeto de conscientização nós também estamos lutando para evitar abortos ilegais”, esclareceu.
Além dos abortos, há também a questão envolvendo adoções irregulares de bebês, que é quando a mãe entrega o filho para outra pessoa ou família sem qualquer crivo legal ou preparação para a entrega. Em alguns casos, conforme disse Maristela, há a caracterização de “pagamento” pela entrega da criança, o que configura crime punível na esfera criminal.
Quando não há esse pagamento pela criança, mesmo assim a pessoa irá responder na esfera cível e pagar uma ação indenizatória ao Estado por burlar o processo de adoção legal.

Rede de proteção à gestante
A Rede de Proteção é uma estrutura composta por membros de vários setores da sociedade – como os profissionais das escolas, da assistência social, da Pastoral, das comunidades evangélicas, da Saúde, do Centro Pop – que, tendo ciência da condição dessas mulheres em situação de vulnerabilidade e sabendo da vontade e necessidade delas de entregarem a criança para a adoção, acolhem e direcionam essas gestantes, sempre sem tecer julgamentos.
“Jamais questionamentos, julgamentos, tipo: ‘Você vai entregar mesmo o seu bebê?'”, explicou Maristela. “Pra ela [a gestante] se manifestar neste sentido ela já está em uma situação de vulnerabilidade, de fragilidade total. Então a rede tem que dar suporte para ela. Aí após esse acolhimento eles irão trazer essa notícia até o Fórum, caso ela queira”, acrescentou.
Quando o motivo da entrega estiver relacionado a questões que podem ser trabalhadas pela Rede de Proteção, essas questões serão organizadas e sanadas, conforme lembrou a juíza. “Se ela estiver passando por uma dificuldade assim, então a Rede vai trabalhar nesse sentido e vai tentar superar isso. Aí pode ser que no caminho ela até reconsidere a decisão”.
Rigorosidade com o sigilo do processo
Desde o acolhimento inicial por servidores públicos e integrantes da Rede de Proteção, é determinado que o sigilo do relato da gestante seja mantido, sem exceções. “Se alguém quebra esse sigilo, incorre em crime e pode perder o cargo. Então o servidor público tem esse comprometimento com o sigilo de todo o procedimento”, afirmou D’Aviz.
Ao chegar no Fórum a mulher é ouvida por um profissional que a irá encaminhar para um acompanhamento psicológico e posteriormente acompanhamento gestacional, caso ela ainda esteja gestante.
Segundo a juíza, a rigorosidade com o sigilo do processo é tamanha que até em casos onde a mulher decida que não quer se consultar durante a gestação em uma UBS (Unidade Básica de Saúde) do bairro onde vive – seja por haver ali conhecidos da família ou até parentes que se consultam no local – ela poderá se manifestar para ser direcionada para atendimento em outra unidade.
O mesmo é válido para agendamentos de cesárea, evitando o trabalho de parto em momentos que comprometam o processo. “A gente pode fazer um trabalho determinando que seja feito o parto via cesárea, com dia e hora marcada, digamos assim. Então tem todo esse acompanhamento, todo o apoio que ela precisar ela vai ter. A vontade dela sempre vai ser garantida e respeitada”.
Durante toda a gestação ainda é opção da mulher manter ou não o sigilo de familiares e até do pai da criança. Nesse aspecto, o processo é semelhante à escolha da mãe – já prevista em Lei – de não especificar quem ela acredite que seja o pai do bebê na certidão de nascimento.
“O mais aconselhável é não comunicar durante a gestação porque isso gera uma ansiedade. Então como a gente vai falar: “Olha, ela está gestante e vai ganhar bebê”? Ele [o pai] vai bater na porta da maternidade. E tudo que ela não quer é que alguém fique sabendo que ela ganhou bebê. Ela pode ser constrangida com isso”, afirmou Maristela.

E após o nascimento?
Após o nascimento, a criança sairá da maternidade para o acolhimento, que poderá ser feito tanto pelo Programa Família Acolhedora, quanto pela Casa Abrigo, em situações mais excepcionais. Em ambos os casos, a Vara da Infância e Juventude irá preparar o ambiente adequado para o acolhimento.
No Programa Família Acolhedora, famílias e casais passam por várias capacitações e treinamentos e, após serem considerados aptos, entram para a fila de espera para receber as crianças de acordo com o ‘leque’ que delimitaram na ficha de inscrição.
Uma vez que os requisitos – que podem ser inúmeros, como cor, sexo, idade ou etnia -, são atendidos, eles irão receber essas crianças em casa com supervisão do Fórum até que o processo seja concluído.
“Se não tiver nenhuma família disponível esse bebê irá para uma casa abrigo, que hoje nossa instituição de acolhimento em Umuarama está sendo desenvolvido um trabalho maravilhoso pela atual coordenação. Houve uma revitalização do que a gente entende por acolhimento institucional, então a sociedade tem que dar muito valor porque o trabalho que tem sido feito é sensacional”, apontou a juíza.
Já a mulher quando sair da maternidade será encaminhada para ser ouvida por um juiz, um promotor e, quando necessário, advogados, que irão concluir o processo de entrega voluntária. Mesmo após a sentença ser decretada, ela ainda terá o prazo de 10 dias para se arrepender da decisão.
“Digamos que ela foi pra casa“, exemplificou D’Aviz. “Nós fizemos essa audiência, saiu a sentença, ela pensou, pensou e não conseguiu lidar e superar o luto por qualquer motivo que seja. Se ela reconsiderar, o bebê retorna para ela. Agora, se ela tivesse, por exemplo, vendido ou prometido essa criança para alguém, é muito difícil que ela possa exercer esse direito de arrependimento”, ressaltou.
“É uma área muito delicada, a Infância e Juventude. Porque envolve muito sentimento, carinho, amor, e isso é nato de nós seres humanos. Mas nós temos que quebrar certas barreiras e entender que tudo tem que ser conforme a legalidade. A gente quer assegurar que a Lei seja cumprida e que a criança esteja em seu pleno bem-estar, com um desenvolvimento pleno e saudável”, concluiu.
