
Filhas e netos de pioneiros dão continuidade ao trabalho iniciado pela família nos anos de 1950
O casal de portugueses Isaura e Abílio Cardoso tem registro de destaque nos anais da história do comércio umuaramense; legado é honrado pelos descendentes


Impossível falar da história de Umuarama sem enfatizar a importância do trabalho dos primeiros comerciantes. Entre os mais notáveis estão Isaura e Abílio Cardoso, que aportaram por aqui quando o município dava os primeiros passos.
A cidade tinha só dois aninhos quando a jovem de 25 anos Isaura abria numa das ruas de terra, a Paissandu [hoje Ministro Oliveira Salazar], seu primeiro negócio, com uma ‘portinha’ só: uma loja de aviamentos [final de 1957]. Mesmo que ‘quase no meio do nada’ a aposta deu certo.
Recém-casada com Abílio Cardoso, como tinha pouco produto para oferecer aos clientes, ela teve a ideia de expor seu enxoval na loja, composto por lindas peças bordadas da Ilha da Madeira. Difícil foi dizer não aos que queriam comprar as novidades, a qualquer custo.
Comprovando a fama dos portugueses de bons comerciantes, por terem boa fluência verbal e capacidade de convencimento ímpar, a lojinha da Isaura conquistou boa clientela e valorização; logo foi vendida para a família iniciar outro negócio, maior e mais promissor.
“Minha mãe ficou triste com a venda, afinal ela estava muito à frente do seu tempo; o comum, para aquela época, era a mulher se conformar como dona de casa! Mas o espírito empreendedor do meu pai falou mais alto; ele tinha visão, sabia que logo a esposa retomaria seu posto de empresária”, conta a filha Irene Cardoso, 63 anos.

Entre os nove filhos do casal, Irene é uma das que se mantém no comércio varejista, desde que assumiu a gerência da então ‘Paris Modas’, aos 17 anos. Ela, que atualmente é proprietária da ‘Black Rigor’, conta que com a venda da loja da mãe e mais umas economias que tinha, o pai abriu em 1958 o ‘Lusitano’ – bar, restaurante e hotel.
“Meu pai era um homem ousado e corajoso! Ele veio para o Brasil com o dinheiro da passagem emprestado, sem nenhum centavo a mais, e se tornou um dos empresários mais bem-sucedidos e respeitados da cidade; ele amava Umuarama e sempre lutou por muitas causas comunitárias, tanto que tem título de Cidadão Honorário de Umuarama no currículo e nome de rua em sua homenagem”, orgulha-se.

Em relação à venda da loja da mãe, ela acredita que o pai acertou. “Mesmo com filhos pequenos e casa para cuidar, minha mãe trabalhou com ele arduamente; além disso, começou a revender roupas do ‘Bazar Maracanã’ [extinto] dos amigos Lúcia e Eurides Mazorana [em memória] e era sócia de um salão de beleza. Tinha uma disposição e uma competência incríveis!”, assegura a filha.
Não parou por aí: precisava de um espaço para chamar de seu, mesmo que dividido. Irene explica: “Era 1970, meu pai tinha a ‘Instaladora Rápido Cardoso’, que atendia num prédio comercial na Avenida Paraná; para satisfazer o desejo de minha mãe, cedeu metade do espaço e ali, então, nascia sua loja de vestuário”.
Seis anos depois o casal vendeu o prédio; a loja de roupas foi para um ponto na baixada da Avenida Paraná e a ‘Instaladora’, agora ‘Instalcon’, para a Avenida Castelo Branco, aonde está até hoje. Anos depois, quando os filhos se tornam sócios, nascia a ‘Antares Materiais Elétricos’, uma distribuidora que atende em várias regiões do Paraná.

“A ‘Paris Modas’, aberta em 1977, a que me fez despertar para o comércio, era uma filial da ‘Confecções Primavera’; foi mais uma das iniciativas pertinentes da minha mãe. Era uma loja muito bonita!”, recorda Irene, informando que no início dos anos de 1980 a família já tinha quatro lojas de revenda de vestuário.
Eram a ‘Confecções Primavera’, que passou a se chamar ‘Isaura Modas’ [mudou de nome por um motivo óbvio: todo mundo se referia a ela como ‘a loja da Dona Isaura’], a ‘Isaura Modas’ [filial], a Ele&Ela e a Bellanoiva.
“Nessa época, filhas e noras já trabalhavam com minha mãe; além de nos educar, ela conseguiu nos dar um norte profissional”, relata Irene, que diz admirar também o esmero da mãe nas questões espirituais. “Ela foi uma ativa participante da Legião de Maria, do Apostolado da Oração, Movimento de Cursilhos de Cristandade, entre outras ações da Igreja Católica”.

Noivos, noivas e festas
A ‘Bellanoiva’ pontuou, por anos, no rol das lojas mais emblemáticas de Umuarama. Inaugurada em junho de 1986, no dia do aniversário de Umuarama, era gerenciada pela sétima filha, a Beta Ranzani, que tinha 17 anos quando assumiu o encargo, já com o tino de empreendedora pulsando forte.
Em 1990, Beta e Irene, que era sócia da irmã, inovaram, inserindo a Bellanoiva no ramo de locação de trajes. Até então Umuarama não tinha essa opção. Para marcar essa novidade realizaram, no Sesc, o ‘Salão da Noiva’, evento que teve 35 edições [interrompido somente na pandemia da covid-19].
Em 2007 a ‘Bellanoiva’ passa a se chamar ‘Maison Beta Ranzani’; anos depois a filha dela, Mariana Ranzani, assume a gerência da loja de trajes de festa. Na ‘Black Rigor’ Irene conta com a parceria do seu filho Rodrigo Cardoso.

Na trajetória empresarial da família, paralelamente, surgiram várias outros negócios, alguns em sociedade, como a ‘Distribuidora de Bebidas Antártica’, ‘Plenogás’ e ‘Abilio Tur’; hoje os herdeiros de Isaura e Abílio são proprietários da ‘Black Rigor’ [traje social masculino], ‘Maison Beta Ranzani’ [traje de noiva e festas feminino], ‘Instalcon’ [material elétrico] , ‘Beta Ranzani Decor’ [decoração de ambientes de festa], e ‘Ranzani Eventos’ [ambientação cênica de festas], ‘Spa Celina Cardoso’, ‘Assispet Distribuidora e Assistência de Pet Shop’ e ‘Antares Atacadista de Materiais Elétricos’.

Casamento a distância
Um fato curioso marca a história de Isaura e Abílio: eles se casaram por procuração. Noivo, o jovem Abílio veio para o Brasil em 1955; tinha um prazo de dois anos para ‘mandar buscar’ a noiva.
Antes da despedida, deixou uma pedra numa figueira, simbolizando a promessa. “Esta pedra significa a minha palavra”, teria dito a ela. E cumpriu, antes do prazo. Um ano e meio depois [janeiro de 1957] enviou os documentos pelo correio para o casamento por procuração, no civil e religioso. Foi representado pelo irmão.

Para cá, ela veio de navio em julho de 1957. Chegou em São Paulo, onde o marido Abílio a esperava. Na capital paulista, tiraram fotos vestidos de noivos para registrar o momento importante. De presente, ela ganhou uma máquina de costura. Logo vieram pra Umuarama.
Tiveram nove filhos: Albertino [em memória], Irene, Valentim, Mazé, Cristina, Celina, Beta, Maristela e Alexsandra; duas notas e sete genros; 26 netos e 14 agregados; e 22 bisnetos [maioria reside em Umuarama]. Ela faleceu em 2005 e ele, em 2016.
