
‘Sursum Corda’: Canto gregoriano inspira evangelização e acolhimento na Catedral
Com 15 integrantes, grupo colabora para assegurar a tradição dessa arte sacra milenar


No coração da Catedral de Umuarama, um grupo de 15 vozes se reúne com um propósito que transcende a música: levar a Palavra de Deus de forma pastoral, acessível e bela aos fiéis. O coro ‘Sursum Corda’, nome que em latim significa ‘corações ao alto’, começou no ano passado com apenas cinco integrantes, porém, pela boa receptividade, logo arrebanhou mais e hoje se destaca como uma expressão artística e espiritual da cidade.
Sob a coordenação de Rafael Rodrigues, 33 anos, que acompanha os cantores tocando órgão, o grupo adota um estilo peculiar: o gregoriano. “Nós não cantamos o gregoriano puro e, sim, cantos inspirados no gregoriano, de preferência os mais conhecidos para que os ouvintes consigam acompanhar… Essa abordagem equilibra a riqueza da tradição litúrgica com a simplicidade necessária para que os fiéis se sintam parte da celebração”, explica.
Formado por voluntários, o coral enfrenta um desafio: a predominância de vozes femininas, devido à falta de homens dispostos a participar. “Temos poucas vozes masculinas… Isso não é um problema, mas gostaríamos de ter mais participação dos homens da Igreja”, comenta Rafael.
Segundo ele, o objetivo do ‘Sursum Corda’ é grandioso e vai além da música: “Nosso grupo visa à evangelização por meio da música, a levar uma consciência litúrgica celebrativa e a realizar de forma artística a vontade da Igreja”
Mais do que um espaço de canto, o ‘Sursum Corda’ é um refúgio para seus integrantes. Durante os ensaios, que acontecem duas vezes na semana [às quartas à noite e aos sábados à tarde], há momentos de oração e partilha de experiências pessoais.
“Nós nos reunimos não só para cantar, mas também para rezar, falar de nossos medos e problemas; celebramos juntos as conquistas de cada um… Assim, nossos encontros se tornam também terapêuticos!”, destaca Rafael, que é graduado em Psicologia, tem formação em piano clássico, estudou órgão e soma experiência em canto coral [quando morou em Curitiba, fez parte de alguns corais].
“Nosso grupo é superunido e muito fervoroso na oração! Meu principal papel é o de motivar, para que se fortaleça, para que todo o nosso esforço se converta em um trabalho cada vez mais digno diante da missão que assumimos.”
Ressaltando o impacto emocional e espiritual positivo dessa convivência, Rafael diz ainda que o coro ‘Sursum Corda’ é um exemplo de como a música pode unir, inspirar e transformar vidas, trazendo beleza e significado às celebrações da Catedral de Umuarama. “A cada apresentação, os integrantes elevam não apenas suas vozes, mas também os corações de todos que os ouvem”, arremata.
Aberto a novos integrantes
Rafael conta que quando resolveram investir na ideia de formar o coro, buscaram primeiramente o apoio do pároco, padre Luiz César Bento: “Sem a permissão dele nada iria frutificar… Ele não só foi favorável, como nos incentivou a seguir em frente”.
E seguiram. Foram à internet buscar as informações básicas: conhecer grupos já formados Brasil afora, que cantavam de forma simples aquilo que a liturgia pede.
Assim chegaram ao Padre Weber e ao maestro Delphim Porto, da Catedral da Sé, de São Paulo. “Começamos cantando o repertório deles”, conta, lembrando que o gregoriano é o canto oficial da Igreja Católica, instituído no século seis pelo Papa Gregório [daí o nome gregoriano].
“Nosso coro não é profissional… Somos pessoas que gostamos de cantar e cantar a Palavra de Deus”, enfatiza Rafael, acrescentando que o gregoriano tem por característica a ênfase no texto, sendo a melodia, secundária.
“Por isso nos faz rezar de forma mais consciente… Quando se coloca a ênfase na letra, a voz do cantor fica em segundo plano… O foco tem que ser sempre Cristo, não o cantor”, argumenta Rafael, avisando que o grupo está aberto a novos integrantes.
O ‘Sursum Corda’ se apresenta nas missas das 10h da Catedral do Divino Espírito Santo todo segundo domingo do mês e em algumas outras celebrações especiais, quando convidado. A escolha do repertório está ligada à liturgia da ocasião.
Umuarama tem mais um coro que se inspira no canto gregoriano: o Coral São Francisco de Assis, da Igreja Matriz São Francisco de Assis, fundado em 2014.
‘Quem canta bem, reza duas vezes’
A frase é de Santo Agostinho, um dos primeiros da história a motivar o canto litúrgico gregoriano, que, no ‘estilo puro’, é só um conjunto de vozes que ressoa, unicamente, na liturgia monástica [sem instrumentos musicais].
Também conhecido como canto sacro, surgiu na Europa, na Idade Média. O principal objetivo era transmitir os valores cristãos e as crenças por meio do Evangelho cantado, de forma que as missas passassem a ficar mais interessantes e atraentes.
É cantado no latim, língua de sua origem; a acústica do ambiente é importante para ressaltar as vozes e criar os efeitos sonoros especiais do canto. Até hoje não se conhece a autoria da maioria dos cantos gregorianos, mas se sabe que eles foram escritos por monges.
O canto inspirado no gregoriano permite o uso do órgão como sustento da voz; e, segundo Rafael, outros instrumentos, como flautas, harpas e até violão [quando tocados para sustentar, não de forma ritmada].
O Padre Weber, citado por Rafael, é o escritor e compositor José Henrique Weber, bastante conhecido pelo seu talento musical; é formado em música pelo Pontifício Instituto de Música Sacra em Roma, com ênfase em canto gregoriano e composição, e especialista em música pelo Institut Catholique, de Paris.
E o maestro Delphim Rezende Porto é outro nome expressivo nessa área; ele é mestre e doutor em musicologia pela USP e professor de Música Sacra e Litúrgica na PUC-SP; também é diretor de música da Catedral da Sé e regente do São Paulo Schola Cantorum.