Ítalo Fábio Casciola Publisher do OBemdito

A arte da carpintaria alavancou a primeira fase da construção do projeto urbano de Umuarama

A arquitetura popular pautou os primórdios da construção civil na metade do século passado...

Uma das primeiras grandes construções de madeira em Umuarama foi o Roxy Hotel, que funcionou durante muitos anos na esquina da Rua Arapongas com Avenida Maringá - Foto: Acervo/Italo Fábio Casciola
A arte da carpintaria alavancou a primeira fase da construção do projeto urbano de Umuarama
Ítalo Fábio Casciola - OBemdito
Publicado em 5 de janeiro de 2025 às 12h53 - Modificado em 19 de maio de 2025 às 18h40

Todo processo de criação é algo divino, definitivamente sem similar. Acompanhar um pintor misturando as tintas das quais surgirá um belo clássico. Um poeta ou um compositor fazendo brotar de seu coração rimas, versos e notas musicais. Ou um dramaturgo ou um ator dando vida aos personagens vibrantes. Assim como acompanhar o nascimento e o crescimento de uma criança. Todos são fatos notáveis, diria indescritíveis.

Agora, cá com meus botões, ver surgir do meio do nada uma cidade e contemplar seu desenvolvimento e transformações por décadas a fio é divinamente extraordinário. Afinal, desde a primeira idade aprendemos que as duas coisas que mais duram na vida são as casas onde vivemos e as memórias, pois ambas fazem parte de nossas histórias…

Portanto, ter visto Umuarama sendo construída é tudo que alguém pode sonhar, é a maior fortuna para se desfrutar em vida e, depois, para a eternidade seja lá onde for… Assim como este repórter, todos os que aqui chegaram (ou nasceram) na segunda metade da década de 1950, sabem (e sentem) muito bem o que estou dizendo.

Tudo aquilo que hoje é uma realidade e o (pouco) que ainda resta daquele passado já distante – e põe distante nisso! -, naqueles tempos de desbravamento era apenas parte de um sonho por muitos considerado impossível de ser realizado… Eram anos muito duros, de um primitivismo cruel e a todos parecia uma caminhada heroica a vencer.

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Outra edificação em madeira de grandes proporções era o primeiro hospital, que levava o nome de Umuarama. Sua construção demorou mais de seus meses – Foto: Acervo/Italo Fábio Casciola

Entre as incontáveis agruras a que fomos todos submetidos, uma era construir a sua casa própria, principalmente para aqueles, a maioria, que chegaram apenas com a vontade de trabalhar e sem nenhum tostão no bolso. Mesmo no passado, ter uma morada tinha um alto preço e, quase todos, se endividaram (mas pagaram) para realizar seu primeiro grande sonho nesta terra de promissão.

Mas construir naquela época era diferente, muitíssimo diferente de hoje, em que a engenharia da construção civil realiza proezas incríveis graças às aprimoradas tecnologias. Naqueles anos 50, erguer uma casa simplesmente era “erguer” uma casa, sem nenhuma técnica mirabolante nem exigências preliminares. A começar, porque todas as construções eram de madeira, preferentemente de peroba rosa, a espécie mais abundante e legado da mais absurda devastação florestal já vista no século passado.

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As primeiras residências, todas de madeira de peroba, começaram a surgir antes mesmo da fundação de Umuarama (1955) a poucos quarteirões de onde hoje é a Praça Arthur Thomas – mas na época estava tudo vazio e ainda restava um pouco da floresta (ver esses detalhes ao redor e atrás da construção – Foto: Acervo/Italo Fábio Casciola

Também não havia regras, bastava dizer onde era o terreno e os carpinteiros já iam montando o “esqueleto” de vigas, verdadeiros caixotões de madeira, e estava tudo certo. Não havia interferência de qualquer tipo de órgão público fiscalizador que fizesse exigências quanto à prevenção de acidentes na obra, defeitos ou possível desabamento, localização do solo ou metragem.

Nos primeiros anos, em Umuarama se construía assim e tudo dependia da maestria e experiência dos carpinteiros. E quem contratava a empreitada confiava neles. E no final dava tudo certo, pois ninguém até agora ouviu falar que uma casa daquelas tivesse vindo abaixo…

Ao contrário de outras cidades paranaenses mais antigas e com forte influência europeia, como Curitiba, Ponta Grossa, Paranaguá, e até mesmo em Londrina, onde residências e casas comerciais, igrejas, escolas, etc, foram construídas com técnicas mais rebuscadas e materiais mais resistentes e de maior duração. E, principalmente, com linhas estéticas mais primorosas, aqui predominou durante décadas o tipo simplista e rústico.

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1955: A primeira praça da cidade, a Arthur Thomas, foi a histórica Praça Rodoviária, e as edificações ao seu redor eram todas de madeira. Só uns 20 anos depois, aos poucos, foram sendo substituídas por construções de material (tijolos e cimento) – Foto: Acervo/Italo Fábio Casciola

Tudo isso, fruto de construir mais rápido para construir maior número de moradias num tempo menor e, ainda, por uma questão de economia. Até mesmo porque carpinteiros dublês de artesãos raramente apareceram por aqui, pois sua mão-de-obra era, justificadamente, mais cara. Esses profissionais deixaram suas marcas em mansões de ricaços (os Barões do Café) em Londrina e, em algumas construções, em Maringá.

O que predominou mesmo aqui em Umuarama o tempo todo foi a arquitetura popular. Esse tipo de sistema construtivo caracterizava-se por possuir a estrutura da casa ou prédio de madeira apoiada sobre uma simples fundação de pedras ou tijolos; e as vigas principais e mais fortes de uma casa, por exemplo, tinham essas bases para poder suportar o peso das tábuas das paredes, unidas por mata-juntas com pregos, e o pesado telhado.

A absoluta maioria das construções da época seguia o padrão de tábuas pregadas na vertical. Raríssimas foram as casas erguidas com tábuas na horizontal, técnica construtivista mais usada em edificações maiores (como armazéns).

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Até a própria Prefeitura de Umuarama funcionou quase 30 anos num barracão de madeira emprestado pela Colonizadora Cia Melhoramentos, situado na rua Arapongas (em frente ao Roxy Hotel); só no início dos anos 1980 foi construído o atual Paço da Amizade, no Centro Cívico – Foto: Acervo/Italo Fábio Casciola

A justificativa alegada na época era que os pioneiros tinham pressa em construir, pois não existiam moradias para aluguel, apenas pensões para hóspedes mensalistas; a madeira era abundante, portando tinha preço mais acessível do que o cimento e os tijolos; e os carpinteiros cobravam relativamente barato pelo seu trabalho.

Mas, com tantas construções brotando por todos os lados, um dia a madeira iria começar a faltar; além disso, continuavam as imensas filas de caminhões que todos os dias saíam de Umuarama rumo aos portos de Paranaguá e Santos (SP), levando milhares de toneladas de perobas e outras madeiras de lei para serem exportadas através de navios para o exterior. Um dia a madeira começou a faltar, melhor dizendo, a rarear e ficar mais cara, com preços praticamente iguais aos materiais utilizados pela alvenaria.

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Uma casa recém-construída ao lado do espaço de terra ainda aberto onde seria a Avenida Paraná, próximo da atual Praça Miguel Rossafa… – Foto: Acervo/Italo Fábio Casciola

Aí já estávamos no final da década de 1960, quando teve início a fase do cimento, areia, pedra, tijolos e pedreiros por todos os lados. Finalmente, a antiga tradição construtiva da peroba rosa encerrava o seu ciclo. Mas, aí já é uma outra história, que em seu devido tempo irei contar aqui nOBEMDITO.

A verdade é que hoje não existe mais aquele cheiro de pó de serra de peroba no ar e nem se ouvem mais os carpinteiros batucando os pregos com seus martelos mágicos. O romantismo daquelas casinhas bonitas alaranjadas/avermelhadas foram desaparecendo aos poucos e, agora, para encontrar as pouquíssimas que restaram é preciso rodar muito pela moderna Umuarama em que vivemos.

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Na zona rural de Umuarama as construções seguiam o mesmo estilo da cidade e os ricos fazendeiros erguiam grandes mansões de madeira – Foto: Acervo/Italo Fábio Casciola

O tempo e as ofertas irrecusáveis do mercado imobiliário, que impera ao longo das últimas duas décadas, se encarregaram de apagar aquela paisagem que iluminou os olhos de, pelo menos, três gerações. Ao contrário de outras cidades, onde a população preservou alguns elementos importantes de seu patrimônio histórico e sentimental, aqui não restou nenhum monumento daquela arquitetura que poderia servir como referência dos primórdios da cidade.

Quem passeia pela Capital da Amizade, principalmente pelo centro, percebe que vivemos numa cidade sem memória! Progresso é isso! (ITALO FÁBIO CASCIOLA, Especial para OBEMDITO)

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As antigas casas comerciais eram todas de madeira nos espaços internos, só as fachadas (portas de entrada) eram de material/cimento e tijolos para evitar a entrada das enxurradas das chuvas… – Foto: Acervo/Italo Fábio Casciola

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