
Jovem de Umuarama vence adversidades e é aprovado no vestibular de Medicina da UFPR
João Carlos da Silva é de família humilde, estudou em escola pública, é preto, é trabalhador e conseguiu conquistar a tão sonhada vaga na graduação de medicina na universidade federal


João Carlos da Silva, morador em Umuarama, é um dos novos acadêmicos do curso de Medicina da Universidade Federal do Paraná (UFPR), campus de Toledo. O resultado do vestibular foi divulgado na última sexta-feira (17) e deixou toda a família do jovem em êxtase.
O rapaz de 19 anos é de família humilde, estudou em escola pública, é preto, é trabalhador e conseguiu conquistar a tão sonhada vaga na graduação de medicina em uma renomada instituição pública.
OBemdito ficou sabendo da história de João através de sua irmã Érika Eduarda. Ela enviou uma mensagem dizendo que a família havia recebido uma notícia que deixou todos emocionados “Meu irmão passou em 3° lugar no curso de Medicina na UFPR. Estamos muito felizes e gratos a Deus por essa conquista”, escreveu. Érika sugeriu a reportagem e enviou um belo relato sobre as dificuldades que o irmão enfrentou, em virtude de suas condições financeiras e sociais (confira no fim do texto).
Nascido em Cruzeiro do Oeste, João mudou-se com a família para Umuarama há poucos anos. Ele estudou todo o ensino fundamental em escola pública em Cruzeiro do Oeste. Os estudos do ensino médio aconteceram no campus do IFPR (Instituto Federal do Paraná) da Capital da Amizade, onde o rapaz fez o curso técnico de Química – Integrado ao Ensino Médio.
João conta que ingressar na universidade de Medicina sempre esteve entre seus objetivos. “É algo que eu sempre quis, o curso que sempre me identifiquei. Durante o ensino médio já tinha esse objetivo. Por isso, sempre foi natural estudar e me empenhar para o que eu queria”
Apesar da aprovação em outras opções de graduação (inclusive em universidades públicas), ele não perdeu o foco. “Fiz vestibular para outros cursos e também para Medicina em outras instituições, mas sempre quis a Federal [UFPR]. Passei em outros cursos, mas nem comecei, porque Medicina era o foco”, ressaltou.
ESTUDOS X TRABALHO
Apesar de todo o empenho, a rotina de estudos de João foi alterada em 2024. Ele foi aprovado em um concurso público da Prefeitura de Cruzeiro do Oeste e ingressou no cargo de auxiliar administrativo em meados de junho, quando tinha 18 anos.
“Isso toma bastante tempo, ainda mais por ser em outra cidade. Então, além do período trabalhando, ainda tem o deslocamento. Passei a não ter tanto tempo para estudar e precisei reequilibrar a rotina. Muitas vezes chegava do trabalho cansado e tinha que estudar até tarde, mas agora chegou o resultado”, disse.
João fez a primeira fase do vestibular da UFPR no mês de outubro de 2024. A segunda etapa aconteceu em dezembro. Depois disso, restou a ansiedade. O resultado foi divulgado pela instituição de ensino nesta sexta-feira.
“Durante as férias estava esperando o resultado com ansiedade. Quando recebi a aprovação foi incrível, por ver o nome na lista, uma coisa mais palpável. Durante a preparação para o vestibular foi uma mistura de ansiedade e incerteza. Imaginava que poderia enfrentar mais um ano de estudos. A notícia da aprovação foi realmente incrível”, comemorou.
O jovem estava no trabalho quando soube da aprovação. “Estava em expediente quando saiu o resultado. O pessoal do trabalho também estava ansioso, todo dia perguntavam sobre a divulgação. Eles me incentivaram e todos ficaram muito felizes com a aprovação”, disse.
Após finalizar o expediente, João pegou sua carona e retornou para Umuarama. Quando chegou em casa teve uma grande surpresa ao ver que sua família preparou uma recepção. “Cheguei e minha família tinha preparado uma festa. Foi demais! Meu pai, minha mãe e irmãos ficaram muito felizes. Me disseram que ficaram o dia inteiro na ansiedade, preparando a festa para me receber”.

PLANEJAMENTO
Já no ‘espírito’ universitário, João disse que agora começa a “parte boa” e que ele está se organizando para uma reviravolta em sua vida. “Vou me jogar de cabeça no curso, me preparar para novas experiências, novas amizades, uma nova cidade, enfim, tudo novo. Estou bem ansioso para começar tudo logo. Estou me sentindo muito realizado, muito feliz, e ainda quero comemorar muito com a minha família”, comentou.
João disse que as aulas começam no mês de março e agora ele terá que fazer todo o planejamento para a mudança e acomodação em outra cidade. O curso de Medicina em Toledo é relativamente novo e teve suas atividades iniciadas em 2016. Oito anos depois, em 2024, foi reconhecido pelo MEC (Ministério da Educação e Cultura) com conceito máximo (nota 5).
O campus da UFPR no município do Oeste Paranaense está instalado no Biopark, que é o Parque Científico e Tecnológico de Biociências, localizado na rodovia PR-182 – que liga Toledo a Palotina. “Esse planejamento começa agora. O campus em Toledo fica no Biopark, que é mais afastado. Por enquanto vou procurar um local para residir na cidade, pensando na localização, acesso, transporte e outras coisas que irei precisar”, explicou.
Questionado sobre os gastos que terá para se manter em Toledo (com alimentação, moradia, transporte, etc.), o jovem não hesita em afirmar: “Mesmo com as dificuldades, por ser de uma família de baixa renda, sei que vamos fazer de tudo para encontrar meios para realizar esse sonho”.
DESIGUALDADE E OPORTUNIDADES
No bate-papo com OBemdito, João falou sobre as dificuldades que enfrentou, principalmente relacionadas com a desigualdade social e racial. Assim como muitos outros jovens que buscam um espaço em uma universidade de qualidade e pública, ele teve que superar obstáculos, mas não se deixou abater.
“Acredito que a desigualdade no nosso país é fator determinante. Jovens negros são desencorajados por um sistema elitista. Jovens humildes e de baixa renda muitas vezes não tem tempo e recursos para buscar uma oportunidade. Essa é uma conquista, não só acadêmica, mas muito maior quando analisamos a desigualdade social e racial da nossa sociedade”, afirmou.
E o novo universitário deixou um recado para outras pessoas que estão na mesma batalha: “Continuem, não desistam, acreditem no sonho que uma hora tudo dá certo”.

AMOR DE IRMÃ
Érika Eduarda, irmã de João, fez questão de falar sobre o que a motivou a enviar a sugestão de reportagem. “Como professora da rede municipal de ensino, acredito que histórias como a do meu irmão precisam ser compartilhadas porque são fontes poderosas de inspiração para estudantes, especialmente aqueles que enfrentam desafios socioeconômicos”, disse.
Ela prossegue: “A trajetória dele prova que, com esforço, apoio e oportunidades, jovens negros e de origem humilde podem conquistar espaços historicamente difíceis de acessar. Além disso, como educadora, vejo diariamente o impacto da representatividade na motivação dos alunos. Se mais jovens se enxergarem em histórias de superação como essa, mais acreditarão que também podem alcançar seus sonhos”.
Segue abaixo o texto enviado por Érika Eduarda:
A importância de contar a história de um jovem negro aprovado em Medicina na UFPR
João Carlos da Silva, meu irmão, foi aprovado em Medicina na Universidade Federal do Paraná (UFPR). Essa conquista dele não é só pessoal, ela é representativa. João carrega consigo a força e os sonhos de muitos jovens negros que, desde cedo, enfrentam barreiras sociais e estruturais. Essa conquista é, para nós, muito mais do que uma simples vitória acadêmica, é a quebra de um ciclo de desigualdade.
João é um homem negro de 19 anos, vindo de um bairro periférico, onde as oportunidades são escassas e os desafios são diários. Filho de um ex cortador de cana e de uma mãe que se dedicou ao cuidado e criação de seus 5 filhos. João cresceu em um ambiente onde muitos não acreditam no potencial dos jovens como ele.
Mas ele não apenas acreditou em seu próprio potencial, ele se comprometeu com todas as forças para mostrar que, sim, jovens negros de bairros periféricos podem sonhar grande.
O peso dessa vitória é imenso. Para muitos, a ideia de um homem negro, sem as mesmas oportunidades, entrar em uma faculdade como Medicina é um desafio difícil de imaginar. Mas João fez disso uma realidade, e ao fazer isso, ele abre portas e dá esperança a tantos outros jovens que também sonham, mas muitas vezes duvidam de si mesmos pela falta de oportunidades.
A história do João não é apenas uma história de esforço pessoal, ela é um grito.