
Primeiro padre ex-escravo no Brasil foi beatificado pelo Papa Francisco
Em 14 de novembro de 2015, cerca de 20 mil pessoas participaram da cerimônia de beatificação do padre Victor


Em 12 de abril de 1827, nasceu em Campanha da Princesa da Beira — atual Campanha, no sul de Minas Gerais — Francisco de Paula Victor, filho de uma mulher escravizada. Na época, a região era marcada por fazendas e a busca incessante por ouro. A Lei do Ventre Livre, que libertaria filhos de escravos nascidos a partir de 1871, ainda estava longe de ser assinada.
Apesar de ter nascido em um contexto de escravidão, Victor não chegou a viver como escravo. Ele foi apadrinhado por Mariana Bárbara Ferreira, que o acolheu e permitiu que tivesse acesso à educação. Aprendeu a ler, escrever, falar francês e tocar piano, algo raro até mesmo entre brancos na época, e praticamente impensável para um afrodescendente.
Em 1849, ingressou no seminário e, dois anos depois, foi ordenado padre. Atuou como pároco por 53 anos em Três Pontas, também no sul de Minas, até sua morte em 1905. Durante toda sua trajetória, enfrentou o racismo com humildade e resiliência, e é lembrado pela comunidade católica por sua dedicação às pessoas e pela maneira com que lidava com as adversidades.
“Pároco generoso e excelente na catequese e na ministração dos sacramentos, distingue-se sobretudo pela sua grande humildade”, afirmou o Papa Francisco em 15 de novembro de 2015, um dia após beatificá-lo.
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A beatificação em Três Pontas
Em 14 de novembro de 2015, cerca de 20 mil pessoas participaram da cerimônia de beatificação do padre Victor, realizada na cidade onde ele dedicou sua vida pastoral. O evento contou com a presença de autoridades religiosas e fiéis vindos de diversas partes do país.
O reconhecimento oficial do milagre atribuído ao padre ocorreu após análise do Vaticano. A professora Maria Isabel Figueiredo, de 37 anos, moradora de Campanha, engravidou em 2010 mesmo após a retirada de uma das trompas — algo que, segundo médicos, seria improvável sem intervenção divina. Ela sempre atribuiu sua gravidez à intercessão do padre Victor.
Durante a oração do Ângelus na Praça de São Pedro, no Vaticano, o Papa Francisco celebrou a beatificação e destacou o exemplo deixado por Victor: “Possa o seu extraordinário testemunho servir de modelo para todos os sacerdotes, chamados a ser humildes servidores do povo de Deus”.
Nhá Chica: a mãe dos pobres
Outra figura mineira a ser beatificada pelo Papa Francisco foi Francisca de Paula de Jesus, a Nhá Chica. Natural de Campanha, onde nasceu em 1808, Nhá Chica também era filha e neta de escravos. Órfã desde pequena, viveu em simplicidade, sem frequentar escolas e sem aprender a ler ou escrever. Apesar disso, tornou-se um exemplo de fé e caridade na região.
A beatificação de Nhá Chica foi aprovada ainda durante o papado de Bento XVI, mas foi oficializada por Francisco em 2013. Conhecida por sua devoção a Nossa Senhora da Conceição, dedicava-se a ouvir e aconselhar os moradores da cidade, sendo por isso chamada de “Mãe dos pobres”.
A Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) destacou que ela consumiu sua vida “servindo às pessoas, especialmente na nobre tarefa de escutar e aconselhar”.
Isabel Cristina: mártir da fé
A mineira mais recente a ser beatificada por Francisco foi Isabel Cristina Mrad Campos, natural de Barbacena. Nascida em 1962, Isabel era conhecida por sua espiritualidade e desejo de seguir a medicina pediátrica, com o objetivo de ajudar crianças em situação de vulnerabilidade.
Mas sua história teve um fim trágico: em 1982, foi assassinada com 15 facadas ao resistir a uma tentativa de estupro. A brutalidade do crime chocou a comunidade local e impulsionou um movimento popular pela sua beatificação, iniciado em 2001.
O martírio de Isabel foi oficialmente reconhecido pela Igreja em outubro de 2020, e sua beatificação foi confirmada pelo Papa Francisco em 2022.
Um legado de fé e resistência
Em 12 anos de papado, Francisco se destacou por reconhecer histórias de fé que ultrapassam as barreiras sociais e raciais. No Brasil, três dessas histórias vêm de Minas Gerais: a do padre Victor, de Nhá Chica e de Isabel Cristina.
Mais do que exemplos religiosos, essas figuras representam a resistência, a esperança e a dignidade humana, mesmo diante de profundas desigualdades. Para muitos católicos, a beatificação desses mineiros e mineiras reforça a importância de uma Igreja mais próxima do povo e atenta às vozes historicamente silenciadas.
(OBemdito com informações BHAZ)