
Ex-presidente do Uruguai, Pepe Mujica morre aos 89 anos
A informação foi confirmada pelo atual presidente uruguaio


José Alberto “Pepe” Mujica Cordano, ex-presidente do Uruguai, morreu nesta terça-feira (13), aos 89 anos, em sua chácara nos arredores de Montevidéu. A informação foi confirmada pelo atual presidente uruguaio e aliado político de Mujica, Yamandú Orsi.
“Com profunda dor comunicamos que faleceu nosso companheiro Pepe Mujica. Presidente, militante, referência, liderança. Vamos sentir muito sua falta, velho querido! Obrigado por tudo que nos deste e por teu profundo amor pelo seu povo”, escreveu Orsi nas redes sociais.
Mujica, que completaria 90 anos no próximo dia 20 de maio, vinha enfrentando um câncer no esôfago desde abril de 2023. A doença se espalhou para outras partes do corpo, e ele passou os últimos meses recebendo cuidados paliativos. Segundo sua esposa, a também ex-senadora Lucía Topolansky, Mujica estava em estágio terminal e sob acompanhamento médico constante. Por conta de seu estado de saúde, ele não compareceu às eleições regionais uruguaias no último domingo (11).
Origens e militância
Pepe Mujica nasceu em 1935, numa família humilde nos arredores de Montevidéu. Na juventude, participou da fundação do Movimento de Libertação Nacional Tupamaros, uma guerrilha urbana que combateu a ditadura civil-militar que governou o Uruguai entre 1973 e 1985.
A militância armada lhe custou cerca de 14 anos de prisão. Ele foi ferido por seis tiros, preso quatro vezes e escapou duas vezes da cadeia. Durante parte desse período, viveu em regime de solitária, o que foi retratado no filme Uma Noite de 12 Anos, do diretor uruguaio Álvaro Brechner.
Em entrevista ao jornalista Emir Sader, Mujica contou que, para suportar o isolamento, desenvolveu formas inusitadas de lidar com a solidão. “Se você pegar uma formiga e colocá-la perto do ouvido, vai ouvi-la gritar. Isso eu aprendi no calabouço. [Também] guardava umas migalhas de pão porque havia uma ratazana que aparecia sempre lá”, relembrou.
Do cárcere à Presidência
Com a redemocratização do Uruguai, ele foi libertado e voltou à política institucional. Participou da fundação do Movimento de Participação Popular, integrante da Frente Ampla, coalizão de esquerda e centro-esquerda que chegou ao poder no país.
Antes de se tornar presidente, foi deputado federal, senador e ministro da Agricultura. Em 2010, assumiu a Presidência do Uruguai, cargo que ocupou até 2015. Sua gestão ficou marcada por um estilo de vida simples e por políticas consideradas progressistas, como a legalização da maconha, a descriminalização do aborto e a aprovação do casamento igualitário com direito à adoção por casais do mesmo sexo.
Ficou conhecido mundialmente como “o presidente mais pobre do mundo”. Dirigia um Fusca azul dos anos 1970 e doava a maior parte de seu salário para programas sociais. Suas reflexões políticas, muitas vezes com um tom filosófico, o tornaram uma referência da esquerda latino-americana em um período de ascensão de governos progressistas na região, como os de Venezuela, Argentina, Brasil, Bolívia e Equador.
Legado social
Segundo Rafael Nascimento, doutor e professor de história na Universidade de Brasília (UnB), a gestão de Mujica contribuiu para avanços sociais relevantes. “A pobreza no Uruguai caiu de 39% em 2004 para 11,5% em 2015. Houve expansão de programas de transferência de renda, aumento do salário mínimo, distribuição de laptops para estudantes e professores e políticas habitacionais para famílias de baixa renda”, detalhou o especialista.
Nascimento também destacou que Mujica se tornou uma figura admirada por sua ética, simplicidade e compromisso com a justiça social. “Ele defende valores como solidariedade, respeito à natureza e consumo consciente, tornando-se uma referência global”, afirmou.
Despedida da política
Em 2019,Mujica foi eleito novamente senador, mas renunciou ao cargo no ano seguinte, em meio à pandemia da covid-19. “Há uma hora de chegar e uma hora de partir na vida”, declarou na época.
Mesmo fora do Parlamento, seguiu ativo como liderança política e intelectual. Em novembro de 2024, concedeu entrevista ao jornal El País, da Espanha, em que refletiu sobre sua trajetória: “Me dediquei a mudar o mundo e não mudei nada, mas me diverti. E gerei muitos amigos e muitos aliados nessa loucura de mudar o mundo para melhorá-lo. E dei sentido à minha vida”.
Integração regional como bandeira
Um dos temas mais caros a ele sempre foi a integração latino-americana. “Ou nos integramos, ou não somos nada”, repetia. Para ele, a América Latina, com cerca de 7% da população mundial, precisava se unir para ter voz e força diante de um cenário global dominado por potências externas.
“[Após as independências], era mais importante comunicar-se com Paris ou Londres do que entre nós. E agora percebemos que, para defender a pouca soberania que nos resta em um mundo cada vez mais global, se não nos unirmos, não existimos. Precisamos, para nosso próprio interesse, de uma política de colaboração entre todos os latino-americanos para multiplicar nossa força no mundo”, afirmou em outubro de 2023, durante o lançamento da Jornada Latino-americana e Caribenha de Integração dos Povos, em Foz do Iguaçu (PR).
Reconhecimento no Brasil
Em 5 de dezembro de 2024, Mujica foi homenageado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva com a Ordem Nacional do Cruzeiro do Sul, uma das mais altas condecorações brasileiras destinadas a personalidades estrangeiras. A cerimônia ocorreu na própria chácara do uruguaio.
Para Lula, Mujica foi “a pessoa mais extraordinária” entre os presidentes que conheceu. “Essa medalha que eu estou entregando ao Pepe não é pelo fato de ele ter sido presidente do Uruguai. É pelo fato de ele ser quem é”, declarou, visivelmente emocionado.
Volta da Frente Ampla ao poder
Pouco antes da morte de Mujica, a Frente Ampla voltou à presidência do Uruguai. Em novembro de 2024, Yamandú Orsi venceu as eleições presidenciais e assumiu o cargo em março de 2025, marcando o retorno da centro-esquerda ao poder após a derrota eleitoral de 2020.
A vitória de Orsi reforçou a permanência do legado político de Mujica no país, ainda que o ex-presidente estivesse afastado da vida pública por conta da saúde debilitada. Seu nome, no entanto, continuava a inspirar líderes e militantes em todo o continente.
(OBemdito com informações Agência Brasil)