
Nova lei do luto parental garante tratamento pelo SUS para famílias enlutadas
A lei entra em vigor em 90 dias a contar a partir de hoje


Nesta segunda-feira (26), foi publicada no Diário Oficial da União a sanção do presidente Luiz Inácio Lula da Silva à Lei Nº 15.139 que cria a Política Nacional de Humanização do Luto Materno e Parental. A lei entra em vigor em 90 dias a contar a partir de hoje e vai proporcionar atendimento às famílias que enfrentam a perda de um filho durante a gestação ou logo após o nascimento passa a integrar oficialmente os serviços oferecidos pelo Sistema Único de Saúde (SUS). Ela também institui o mês de outubro como o Mês do Luto Gestacional, Neonatal e Infantil no Brasil.
A proposta, que originou o Projeto de Lei 1.640/2022, foi construída pelo atual ministro da Saúde, Alexandre Padilha, enquanto ele ainda atuava como deputado federal. Segundo ele, a ideia nasceu a partir de escutas e diálogos com diversas mulheres que passaram por esse tipo de perda.
“Em 2019, construímos um projeto de lei que foi fruto do diálogo com várias mulheres. Estou muito emocionado porque essa política define o que as maternidades precisam ter para cuidar daquelas mães e pais que perdem os filhos antes ou após o parto”, afirmou Padilha.
Atual estrutura é limitada
Hoje apenas três hospitais no Brasil oferecem atendimento estruturado voltado ao luto materno: o Hospital Materno Infantil de Brasília (HMIB), o Hospital Materno de Ribeirão Preto (SP) e a Maternidade de Alta Complexidade do Maranhão (PI). Esses serviços são referência no acolhimento especializado e demonstram, acima de tudo, a importância de se ampliar esse tipo de suporte pelo país.
Registro com nome passa a ser permitido
Uma das novidades trazidas pela nova lei do luto parental é a alteração na Lei nº 6.015/1973, que trata dos Registros Públicos. A partir de agora, será possível registrar oficialmente o nome dos natimortos. Antes, as certidões emitidas continham apenas dados técnicos, como sexo, data de nascimento, local e nome dos pais. Com a mudança, mães e pais poderão nomear oficialmente seus filhos, ainda que tenham morrido antes de nascer com vida. Esse reconhecimento simbólico é considerado fundamental para o processo de luto das famílias.
O que muda com a nova legislação
O texto do PL 1.640/2022 prevê uma série de medidas voltadas ao cuidado e acolhimento das famílias enlutadas. Entre elas estão o oferecimento de apoio psicológico especializado, a realização de exames que investiguem a causa da morte, o acompanhamento em gestações futuras, assim como a criação de espaços específicos para acolher pessoas em luto dentro das unidades de saúde.
Além disso, o SUS deverá adotar protocolos clínicos específicos para essas situações e capacitar profissionais da saúde para realizar um atendimento humanizado e sensível.
Para o ministro Padilha, a aprovação da lei do luto parental é um passo importante no reconhecimento da dor das famílias.
“Nós sabemos que o luto materno e parental é uma dor silenciosa, mas que grita no coração das famílias. O Ministério da Saúde está do lado dessas pessoas para acolher, respeitar e humanizar essa perda”, ressaltou.
Números que justificam a política
Entre os anos de 2020 e 2023, o Brasil registrou 172.257 óbitos fetais. A região Sudeste concentrou o maior número de casos no período, com 40.840 natimortos. Somente em 2024, dados preliminares do Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM) apontam para 22.919 óbitos fetais e 19.997 óbitos neonatais — aqueles que ocorrem nos primeiros 28 dias de vida.
Diante desses números, o Ministério da Saúde tem buscado parcerias com universidades públicas, bem como com instituições para construir, de forma participativa, diretrizes para atuação na área.
De acordo com a pasta, esse processo tem sido feito gradualmente, com a inserção do tema em ações em curso, reforçando o compromisso em promover um cuidado mais acolhedor e sensível às famílias afetadas por perdas gestacionais, neonatais e infantis.
Experiência no HMIB inspira modelo
O ambulatório de luto parental do Hospital Materno Infantil de Brasília (HMIB), que funciona desde 2013, é um dos principais exemplos de atendimento especializado no país. O serviço tem como foco o acolhimento, avaliação, assim como tratamento de transtornos mentais decorrentes do trauma da perda de um filho.
Com uma média de 50 atendimentos mensais, o ambulatório integra a equipe de Cuidados Paliativos Perinatais e Pediátricos e recebe pessoas encaminhadas pelas Unidades Básicas de Saúde (UBS). Após a avaliação psiquiátrica inicial, a equipe multidisciplinar — composta por psicólogos, enfermeiros e assistentes sociais — acompanha as famílias.
“A gente não tem o poder de curar o luto de ninguém. O que a gente faz é dar a mão e caminhar junto”, diz a médica psiquiatra Maria Marta Freire, responsável pelo ambulatório. Segundo ela, o trabalho com essas famílias oferece um aprendizado constante: “O que eu aprendo com essas famílias, nenhum livro ensina.”
Impacto emocional e falta de estrutura
Maria Marta destaca que a falta de acolhimento adequado pode agravar o sofrimento dessas pessoas, levando ao desenvolvimento de transtornos mentais mais severos, como a depressão.
“O momento da despedida é muito importante no processo de luto. Às vezes, a mãe não consegue ver o bebê logo após o parto, mas, passado o choque inicial, ela quer ter esse momento. E nem sempre temos um espaço adequado para isso”, lamenta.
Do mesmo modo ela também chama atenção para o fato de que o luto perinatal ainda é pouco reconhecido socialmente.
“Muitas vezes, essas mulheres escutam frases como ‘Daqui a pouco você engravida de novo’, como se um filho substituísse o outro, mas não substitui”, ressalta. E conclui: “Quando a gente perde o marido, vira viúva. Quando perde os pais, vira órfão. Mas não existe um nome para quem perde um filho. Porque é o inverso da ordem natural da vida.”
Histórias de quem vive o luto
Atendida pelo ambulatório há dois anos, a conselheira tutelar Elem Andrade, de 45 anos, compartilha como o acolhimento do grupo foi essencial para sua recuperação. “Sou muito grata à toda a equipe pela melhora que tive, porque naquele primeiro momento você está no fundo de um poço. Então, com a fala, aconselhamento e apoio deles, você começa a enxergar o mundo de uma outra forma. Hoje eu tenho mais sentimento e amor ao próximo”, relata.
Outra paciente do ambulatório, Julenir dos Santos, de 39 anos, vive em Planaltina (DF) e participa do grupo há seis meses. Ela passou por quatro perdas gestacionais e conta que, pela primeira vez, sentiu sua dor acolhida com a mudança na legislação. “Na minha última perda, eu estava com cinco meses. Já tinha nome para ela, mas na certidão não constava. Agora, com essa mudança, outras mães poderão dar nome à história delas.”
Perspectiva para o futuro
Com a sanção da nova lei do luto parental, o país dá um passo importante no reconhecimento do sofrimento de mães, pais e famílias que enfrentam perdas gestacionais e neonatais. A expectativa é que, com a criação de protocolos e a expansão de serviços especializados, essas pessoas possam encontrar apoio, escuta e cuidado dentro do sistema público de saúde.
A nova política representa um avanço concreto na humanização da assistência no SUS e reconhece que o luto também merece cuidado com dignidade, empatia e atenção.
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(OBemdito com informações Ministério da Saúde)