Ítalo Fábio Casciola Publisher do OBemdito

Uma longa aventura torturante para atravessar a floresta pela Trilha da Esperança

Os primeiros colonos chegaram a Umuarama depois de uma viagem longa e sofrida...

A estreita estradinha de terra aberta para ligar Maringá a Umuarama, por onde chegaram trabalhadores e famílias. Foi aberta pela colonizadora, que a usava para trazer os técnicos que trabalhavam na abertura das avenidas e ruas, Umuarama, executando o projeto de urbanização da nova cidade... Ela era ladeada em toda a sua extensão pela floresta virgem, que ainda não havia sido derrubada.... Foto: FOTOS DO ACERVO HISTÓRICO DE ITALO FÁBIO CASCIOLA
Uma longa aventura torturante para atravessar a floresta pela Trilha da Esperança
Ítalo Fábio Casciola - OBemdito
Publicado em 29 de junho de 2025 às 11h22 - Modificado em 29 de junho de 2025 às 15h42

Esta é uma história muito, mas muito antiga mesmo, do “tempo do onça”. (E das onças também!) É a narrativa de uma viagem que hoje seria impossível de reconstituir, pois os tempos evoluíram e o nosso Noroeste não é mais o mesmo, não restou praticamente mais nada da época primitiva da abertura daquela fronteira promissora dos remotos anos 1950… Nada do que o caro leitor e leitora vão ler agora poderá se repetir nesta segunda década deste novo milênio.

Imagine, então, uma alvorada fantástica, com o sol radiante surgindo impávido no horizonte. O céu, de um azul esfuziante, prometendo brindar uma legião de colonos sonhadores com a fortuna com um dia propício para uma aventura sem limites pelas entranhas de uma floresta, algo assim para se recordar pelo resto da vida.

Homens e mulheres à procura de um novo destino, se preparando para uma peregrinação com hora de partida, mas com uma chegada tão imprevisível quando uma nuvem perdida no firmamento…
Esse destino era Umuarama, então uma pequena vila que estava sendo montada no interior do Paraná, nas proximidades da fronteira com o Paraguai e muito distante da capital Curitiba…

A colonizadora já havia iniciado uma ruidosa campanha publicitária anunciando as vendas de terras nesse novo território que estava sendo aberto com uma possante devastação das florestas! E, claro!, esse novo horizonte que surgia para morar, trabalhar e construir um futuro promissor atraiu milhares de interessados de todos os cantos do Brasil!

Uma Longa Aventura 1
O Rio Ivaí é um dos principais aqui da região noroeste… E naqueles distantes anos 1950 ganhou uma balsa. Ela era altamente resistente e suportava vários veículos pesados, sendo um ponto importante para viabilizar as antigas viagens.

Leia também: Já imaginaram como foi o dia da fundação de Umuarama vivido num terrível inverno congelante?!

E ASSIM COMEÇA A HISTÓRIA DA LONGA VIAGEM RUMO À NOVA CIDADE QUE HAVIA NASCIDO NO PARANÁ…

O meio de transporte desta família é um Fordeco, alugado. O motorista, dono do ‘possante’, estaciona à frente do acampamento improvisado nos arredores de Maringá, onde estavam reunidas centenas de famílias das mais diversas regiões do País que também haviam chegado para se aventuravam aqui pelo Paraná à procura de um lugar para viver e laborar. Buzina com insistência, anunciando que é hora de partir. Era hora de começar a viagem pela Trilha da Esperança!


Começa, em meio a uma algazarra de homens, mulheres e crianças, a operação para carregar a mudança. Com pressa, os mais fortes põem camas, daquelas de ferro antigas, pesadas, sobre os ombros. O motorista, em cima da carroceria, vai empilhando de forma organizada os móveis: mesas, cadeiras de palha, colchões de molas ou de capim, e trouxas de roupas de cama.

Uma Longa Aventura 2
Depois da fundação de Umuarama e com a abertura da primeira estrada de terra, começaram a aparecer os ônibus trazendo os futuros moradores para a nova cidade que havia acabado de surgir… Observem a fragilidade da ponte para atravessar um riacho, feita de tábuas de peroba. Os veículos passavam por ela lentamente evitando que quebrassem e a ponte ruíssem colocando em risco os passageiros…


As mulheres, organizam a tralha doméstica em caixas de tábuas: panelas, talheres, canecas, tachos… Eles carregam feixes de ferramentas amarradas com cordas: foices, machados, enxadas, enxadões, picaretas e outras que serão usadas na construção da nova vida.
Com cuidado, enroladas em sacos, os colonos incluíam na mudança armas, principalmente espingardas e revólveres. Numa terra de ninguém, onde existiam animais selvagens, viver sem um trabuco seria algo, no mínimo, idiota.

Antes da família embarcar, na carroceria do caminhão havia um lugar especial reservado aos cães, no mínimo dois. Para viver num lugar desconhecido e dasabitado, a companhia do mais fiel amigo do homem era imprescindível. Todo mundo tinha daqueles cachorros grandões, ferozes e fortes, para fazer a segurança, e outros daqueles bem espertos e rápidos, para a caça. Esses bichos de estimação mereciam da família o mesmo carinho e atenção dados a um parente.

Portanto, numa viagem acidentada como essa que se prometia, eles tinham que estar bem confortáveis. No começo era um Deus nos acuda em cima do veículo, porque os animais não estavam acostumados a um “passeio” sacrificado como esse e, muito menos, a permanecer amontoados no meio de uma mudança sacolejando pela trilha adentro… Uivos, latidos, grunhidos.

Por fim, chegava a vez dos passageiros se acomodarem. As mulheres e crianças, sentavam ou deitavam nos colchões para não se machucarem no meio daquela parafernália.
Os homens, em pé, agarrados à carroceria, ou conforme o cansaço ia apertando, iam se agachando como podiam para tornar o percurso menos sofrível. Na cabine, ao lado do motorista, os velhinhos, geralmente a vovó e o vovô.

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Neste raro registro fotográfico antigo, uma parada do primeiro caminho entre Maringá em Umuarama: um casebre onde funcionava uma mecânica-borracharia, meio improvisada sobre sapé e madeiras de peroba, que atendia consertos mais urgentes socorrendo os que se aventuravam nessa viagem…


É importante frisar como ilustração que, antigamente, as famílias eram numerosas: além do casal, havia vários filhos. Alguns tinham oito, dez, doze filhos… E o dinheiro era curto, não dava para pagar mais de um frete. Então, o jeito era se sujeitar a esse tipo de calvário, que só não era mais cruel porque todos iam em frente com o coração e a alma transbordando de esperanças num futuro promissor…

Depois de todos os preparativos, começa a viagem: o Fordeco vai roncando e seguindo pelas profundezas da mata, obedecendo o traçado acidentado daquele picadão sem nenhum tipo de terraplenagem.

O “ronronar” do motor do caminhão ecoa pela mata fechada, vez o outra um estampido do escapamento, de onde sai uma fumaça espessa e azul quando a máquina exige marchas mais pesadas.
Lá em cima, os “passageiros” comemoram o cenário com gritos e gargalhadas. Nas copas das árvores, pássaros de todos os tipos e macacos escandalosos se assustam com aquele ‘personagem’ esquisito e ameaçador que percorre a trilha sinuosa.

O tempo está bom, quente, e o solo está firme. O velho caminhão segue em frente, corcoveando como era previsto pela buraqueira do terreno tortuoso. Nos trechos onde o picadão era mais largo, a velocidade aumentava. E, consequentemente, subia aquele poeirão que encobria o Fordeco e os seus passageiros, em meio a uma nuvem asfixiante. Mas, dos males a enfrentar, esse era o menor…
Num caminho terrível como esse, a viagem não rendia.

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Esta era uma das barracas dos vários acampamentos da colonizadora instalados de ponta a ponta da primeira estrada para dar atendimento aos funcionários da Cia Melhoramentos, principalmente preparando comida e servindo água durante paradas para descansar durante a viagem.


Mas o cansaço e a sede aumentavam minuto a minuto. Depois de duas horas, uma parada: muitos corriam para o mato fazer “aquilo que todo mundo faz” e, depois, beber água, muita água do tambor que levavam a bordo. Mas nada de demorar.

O motorista, já bronqueava: “Vamos, gente, que a viagem está apenas começando…”. Como um percurso de quase 200 quilômetros entre Maringá e Umuarama poderia durar dias, dependendo do bom humor de São Pedro e da sorte, o número de paradas era enorme. A parada maior era para as refeições: no almoço, todo mundo descia e, depois de encontrar um lugar mais aberto na mata, achavam lenha seca e faziam fogo para cozinhar.

As mulheres cuidavam das panelas e faziam um rango meio às pressas. O “piquenique” geralmente acontecia perto de um córrego, para poder lavar a louça e encher o tambor de água, que era obrigatório numa “excursão” como essa. Assim como levar outro tambor com gasolina ou diesel, pois não havia postos de abastecimento, claro, no meio daquele mundão ainda pouco habitado.

Todos de barriga cheia, o “chofer” mandava todo mundo se “empoleirar” no caminhão pois o tempo não esperava ninguém… Conforme adentravam o território, iam surgindo pequenos descampados, marcados por recentes queimadas, aberturas na selva onde estavam sendo construídos pequenos patrimônios ou vilas.

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Sem nenhuma estrutura para proteção nas temporadas de chuvas, a estrada era vítima da erosão e transitar por ela era realmente uma aventura torturante.


Com os olhos radiantes, viam ao longe aqueles homens construindo suas casinhas de madeira. Um nó na garganta aumentava o sonho de, logo, também levantar a sua morada em Umuarama. Como quando algo está difícil, diria terrivelmente ruim, nada impede que a situação possa piorar. Depois de quase um dia inteiro de sol, às vezes, o tempo mudava bruscamente. O céu, antes azul se fechava em trevas, derramando trovões e relâmpagos. E tome chuva forte com ventos, daqueles de fazer as árvores gigantes e centenárias uivar e dançar.

O jeito era parar. Em desespero, os homens desciam e começavam a abrir os encerados (lonas), para cobrir o caminhão e todo mundo se esconder debaixo daquele teto improvisado até a chuva serenar.
Não dava para ir em frente em hipótese alguma: o picadão era estreito, cheio de valetas no curso das rodas e nas laterais, abertas pela erosão no meio da mata.

Só dava para rodar caso o terreno fosse plano e sem barro, mas nem todos os trechos do caminho eram assim favoráveis. Se arriscar a tentar vencer aqueles obstáculos/armadilhas era perigoso demais, o caminhão poderia tombar e machucar a todos. Ou, no mínimo, quebrar. Aí sim a situação ficaria ainda mais complicada.

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No trecho entre Cruzeiro do Oeste e Umuarama a estrada ganhou mais espaço (largura), pois o movimento era maior no início da abertura de nossa cidade e a vizinha cidade já tinha um pequeno comércio onde os pioneiros daqui faziam compras (Vale lembrar que na época a Capital da Amizade ainda era distrito de lá…). Também facilitava a viagem até Maringá, onde os primeiros umuaramenses iam à procura de médicos e compras de produtos que ainda não encontravam à venda na fase de abertura de Umuarama…


Outro problema comum para os estradeiros de então eram as antigas pontes de madeira, que existiam sobre os riachos. Dependendo do veículo, elas rangiam e ameaçavam se partir. Para não correr riscos, os caminhoneiros carregavam tábuas e barrotes, que eram estendidos sobre a estrutura da ponte para reforçá-la.

Mesmo assim, era prudente atravessar bem devagar, muito devagar… No caso dos rios maiores, como o Ivaí, o único meio era a balsa que ali existiu durante muitos anos. Mas ela só funcionava com o tempo bom, quando chovia o jeito era esperar. E isso causava filas no picadão.

Depois de um longo, exaustivo e surpreendente dia de sol e chuva no meio de uma mata virgem, começava a cair a tarde. A chuva se foi. Com o chão, agora barrento, coberto de folhas molhadas pelo forte aguaceiro, a temperatura começava a descer. E logo chegava a escuridão. Hora de parar a viagem para só retornar à aventura no outro dia.

Com foices e enxadas, limpavam um pequeno espaço para montar um acampamento, pois em cima do caminhão não havia lugar para dormir. Primeiro, esticavam uma lona no chão, para evitar a umidade. Depois colocavam sacarias. E, por fim, os colchões. Uns ao lado dos outros. A família dormia unida e espremida.

O motorista, se acomodava na cabine de seu caminhão, enrolado em mantas e cobertores. Para aquecer o estômago, a ‘bóia’ noturna era mais forte: um sopão com charque, feijão e muito macarrão. Pão caseiro (conservado embrulhado em panos para não endurecer), mortadela e café forte para esquentar.
Do lado de fora, vários lampiões a querosene acesos e pendurados em galhos de árvores, para espantar onças e outros predadores donos da noite. Se não houvesse perigo de incêndios, valia até acender fogueiras.

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Outra barraca da colonizadora à beira da estrada. Reparem: era coberta apenas por uma lona (encerados daqueles usados nos caminhões de carga).

Para os cachorros, montava-se uma pequena tenda, também de lona. Alimentavam-se com a mesma comida da família. Os valentes vira-latas serviam como sentinelas. E todos dormiam, abatidos pelo cansaço, o sono dos justos. Mas injustiçados pela vida com esse sofrer… No outro dia, um novo amanhecer, e tudo começava outra vez para o dia terminar ainda mais feliz: cada um chegando ao lugar que tanto havia sonhado.

Este relato é de uma viagem nem tão acidentada. Outras, em condições ainda mais precárias, poderiam durar dias e dias. Umas interrompidas por árvores que caíam sobre a trilha. Dava um trabalhão ter que serrar troncos e árvores, para desimpedir a passagem… Havia casos em que o veículo quebrava e, até esperar alguém aparecer para pedir socorro ou carona para ir até alguma borracharia ou mecânica em algum lugarejo e encontrar as peças de reposição e concertá-lo poderia demorar 24 horas ou mais.
Outro transtorno era porque a balsa do rio Ivaí não fazia a travessia quando chovia forte e as águas estavam revoltosas.

Também acontecia de ter que parar em algum vilarejo, como Cianorte que estava em fase de abertura, à procura de um médico ou de remédios, porque alguém da caravana havia ficado doente. Na época, causava pavor a malária, doença transmitida por mosquitos, que então era fatal.

Também poderia faltar combustível e alguém tinha que se aventurar a pé pelas propriedades já abertas procurando uma alma generosa que emprestasse ou vendesse diesel ou gasolina. Havia casos mais graves, de tombamentos de caminhões ou jipões em profundas valetas, principalmente à noite, quando se arriscavam seguir viagem na escuridão.

Com tantas paradas, previstas e imprevistas, o desafio de atravessar o antigo território era impresumível.
Esta crônica, puramente real e absolutamente sem nenhuma pitada de ficção, nos dias de hoje, quando o percurso entre Umuarama e Maringá se faz em menos de duas horas, torna-se realmente inacreditável.
Compreendo, principalmente para os mais jovens, é difícil admitir, em pleno berço da modernidade, como era terrível viver numa era torturante como aquela… (Mas, cá entre nós, isso não nos tira o direito de reclamar de um buraquinho no asfalto da PR 323 né!)

(ITALO FÁBIO CASCIOLA, Especial para OBEMDITO)
FOTOS DO ACERVO HISTÓRICO DE ITALO FÁBIO CASCIOLA)

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