Ações judiciais que tratam de pejotização são suspensas por decisão do STF; entenda
Esse movimento do STF representa uma tentativa de pacificar o entendimento jurídico a respeito da pejotização
O ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF), determinou nesta segunda-feira (14) a suspensão da tramitação de todos os processos na Justiça brasileira que discutem a legalidade da chamada “pejotização” — prática pela qual empresas contratam prestadores de serviços como pessoas jurídicas, evitando o estabelecimento de vínculo empregatício formal.
Essa decisão decorre do reconhecimento, pelo STF, da repercussão geral do tema (Tema 1389), conforme votação encerrada no sábado anterior (12). A repercussão geral implica que um processo específico, selecionado entre vários semelhantes, será julgado de forma a estabelecer um entendimento que oriente decisões em todo o Judiciário brasileiro sobre a mesma matéria.
Esse movimento do Supremo representa uma tentativa de pacificar o entendimento jurídico a respeito da pejotização, prática cuja legalidade tem sido contestada em diferentes instâncias da Justiça, especialmente na esfera trabalhista.
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Divergência entre STF e Justiça do Trabalho
Desde 2018, o tema tem causado tensões entre o STF e a Justiça do Trabalho. Naquele ano, o Supremo declarou inconstitucional uma súmula do Tribunal Superior do Trabalho (TST) que proibia a pejotização. Na mesma ocasião, os ministros do STF formaram maioria para permitir que empresas brasileiras, sejam públicas ou privadas, possam terceirizar não apenas suas atividades-meio — como segurança e limpeza — mas também suas atividades-fim.
Em razão desse entendimento, milhares de decisões do Supremo têm revertido vínculos empregatícios reconhecidos pela Justiça do Trabalho, utilizando como base a legalidade da terceirização irrestrita.
Portanto, ao longo dos anos, essa jurisprudência consolidada no Supremo tem sido usada para sustentar a liberdade das empresas em estruturar suas relações laborais de maneira mais flexível.
Justificativas do ministro-relator
Para a corrente majoritária da Corte, conforme afirmou o ministro Gilmar Mendes, essa flexibilização nas formas de contratação acompanha uma nova realidade nas relações de trabalho. Em suas palavras, a medida promove maior “liberdade de organização produtiva dos cidadãos” e valida “diferentes formas de divisão do trabalho”.
Ademais, ao justificar o reconhecimento da repercussão geral, Mendes destacou o número expressivo de recursos que chegam ao STF, especialmente as chamadas reclamações constitucionais. Tais recursos são utilizados por empresas que contestam decisões da Justiça do Trabalho, sob o argumento de que estas contrariariam o entendimento do Supremo sobre terceirização e pejotização.
Como exemplo, o ministro citou os números do primeiro semestre de 2024: nesse período, mais de 460 reclamações foram julgadas pelas duas turmas do Supremo, todas relativas a decisões trabalhistas que, em alguma medida, restringiam a liberdade de organização produtiva. Além disso, o STF emitiu 1.280 decisões monocráticas sobre o mesmo tema no mesmo período.
Segundo Mendes, “o descumprimento sistemático da orientação do Supremo Tribunal Federal pela Justiça do Trabalho tem contribuído para um cenário de grande insegurança jurídica, resultando na multiplicação de demandas que chegam ao STF, transformando-o, na prática, em instância revisora de decisões trabalhistas”.
Processo paradigma e alcance da decisão
O processo escolhido para servir de paradigma trata da relação entre um corretor de seguros franqueado e uma grande seguradora. No entanto, Mendes ressaltou que a decisão a ser tomada deve ter escopo amplo, abrangendo todas as formas de contratação por pessoa jurídica ou como trabalhador autônomo.
Com efeito, o relator destacou que é “fundamental abordar a controvérsia de maneira ampla, considerando todas as modalidades de contratação civil/comercial. Isso inclui, por exemplo, contratos com representantes comerciais, corretores de imóveis, advogados associados, profissionais da saúde, artistas, profissionais da área de TI, motoboys, entregadores, entre outros”.
A amplitude da tese a ser fixada refletirá a intenção do STF de uniformizar a jurisprudência sobre o tema, proporcionando maior segurança jurídica tanto para empresas quanto para trabalhadores.
Pautas a serem julgadas
Ainda não há data definida para que o Supremo leve o processo paradigma ao plenário. No entanto, os ministros já delimitaram os três principais pontos a serem discutidos no julgamento:
- Competência da Justiça do Trabalho: Determinar se apenas a Justiça do Trabalho pode julgar causas que discutem suposta fraude em contratos civis de prestação de serviços.
- Legalidade da contratação por PJ ou autônomo: Verificar se a contratação de trabalhadores autônomos ou por pessoa jurídica é compatível com a decisão do STF sobre terceirização de atividade-fim.
- Ônus da prova: Estabelecer se cabe ao trabalhador ou ao empregador o ônus de provar que houve ou não intenção de fraudar a relação trabalhista por meio da pejotização.
Com isso, o julgamento do STF poderá redefinir os parâmetros de atuação da Justiça do Trabalho e influenciar diretamente a forma como empresas estruturam suas relações contratuais com prestadores de serviços.
Relação com a uberização
Por fim, é importante destacar que a pejotização também se conecta ao fenômeno da chamada “uberização” das relações de trabalho. Esse termo se refere à contratação de trabalhadores autônomos por meio de plataformas digitais, como é o caso dos motoristas de aplicativos de transporte.
Em fevereiro de 2023, o Supremo também reconheceu a repercussão geral de um recurso relacionado à uberização (Tema 1291). Nesse processo, a Corte deverá decidir se existe ou não vínculo empregatício entre motoristas de aplicativo e as empresas operadoras das plataformas.
(OBemdito com informações Agência Brasil)





